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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Apostila de Filosofia

Conceituação Filosófica e História da Filosofia - *J. Cláudio



“Eu sei que nada sei”, dito de Sócrates, filósofo Grego, que revolucionário ao pensamento filosófico ocidental, nas controversas do pensar humano, no final do século quarto antes de cristo.
Com esta afirmação Sócrates parte do principio de que ninguém é detentor absoluto da verdade. O não saber é o ponto inicial para chegar aonde se quer conhecer.
Conceituar filosofia hoje, ainda é muito difícil, pois os conceitos acumulados ao longo da história dão conta de que filosofia é a ciência que estudas as causas das coisas.
Neste nosso estudo procurarei percorrer a história da filosofia, “garimpando” conceitos dos mais diversos e de diferentes fontes para tentar, conjuntamente com filósofos do mundo e do Brasil, pelo menos dar aos alunos que me cercam alguns conceitos a cerca de filosofia.
Estou, neste momento, tão confuso quanto Sócrates, tão criança, tão infantil, sempre perguntando a todos: O que é o saber?
Entrem comigo neste barco e vamos a deriva da busca do conhecer.

Filosofia: ciência que busca através da investigação a causa, a origem das coisas. Através do porque vai sempre indagando o que é o objeto estudado.
“Filosofia é um ramo da ciência que pode ser caracterizado de três modos: seja pelos conteúdos ou temas tratados,seja pela função que exerce na cultura, seja pela forma como trata tais temas. Com relação aso conteúdos, contemporaneamente, a filosofia trata de conceitos tais como bem, beleza, justiça, verdade”.(1)
Filosofia: “Ciência da busca do conhecimento, especialmente da origem e do sentido da existência. Sistema ou conjunto de estudos que reúne um determinado ramo do conhecimento” *2.
Filosofia: (Philosophia) –Singular feminino – Grego, pelo latim philosophiam. Ciência geral dos seres, dos princípios e das causas. Estudo da psicologia, da moral, da lógica e da metafísica”.(3).

A filosofia nasce ligada, colocada com a vida.*4
Filosofar é meditar, estudar as causas e as conseqüências dos fatos, procurar saber, ter sabedoria. * “Paula costa,da quinta série do Colégio Nossa Senhora do Rosário.
Filosofar é discutir e debater sobre inúmeros assuntos e temas. * 5
Filosofar é compreender que é a razão humana que constrói o mundo, não forças adversas, mitológicas ou de deuses.



Concepção Mitológica da Grecia

A construção da sociedade Grega veio carregada de sentimentos dos mais profundos, pois o seu povoamento aconteceu num período longo e fundamentalmente carregado de símbolos mitológicos.


Por Paulo Sérgio Ferreira Beckman


Sócrates

Vida do filósofo Sócrates, saiba quem foi Sócrates, Filosofia grega
Sócrates nasceu em Atenas, provavelmente no ano de 470 AC, e tornou-se um dos principais pensadores da Grécia Antiga. Podemos afirmar que Sócrates fundou o que conhecemos hoje por filosofia ocidental. Foi influenciado pelo conhecimento de um outro importante filósofo grego : Anaxágoras. Seus primeiros estudos e pensamentos discorrem sobre a essência da natureza da alma humana.
Sócrates era considerado pelos seus contemporâneos um dos homens mais sábios e inteligentes. Em seus pensamentos, demonstra uma necessidade grande de levar o conhecimento para os cidadãos gregos. Seu método de transmissão de conhecimentos e sabedoria era o diálogo. Através da palavra, o filósofo tentava levar o conhecimento sobre as coisas do mundo e do ser humano.
Conhecemos seus pensamentos e idéias através das obras de dois de seus discípulos: Platão e Xenofontes. Infelizmente, Sócrates não deixou por escrito seus pensamentos.
Sócrates não foi muito bem aceito por parte da aristocracia grega, pois defendia algumas idéias contrárias ao funcionamento da sociedade grega. Criticou muitos aspectos da cultura grega, afirmando que muitas tradições, crenças religiosas e costumes não ajudavam no desenvolvimento intelectual dos cidadãos gregos.
Em função de suas idéias inovadoras para a sociedade, começa a atrair a atenção de muitos jovens atenienses. Suas qualidades de orador e sua inteligência, também colaboraram para o aumento de sua popularidade. Temendo algum tipo de mudança na sociedade, a elite mais conservadora de Atenas começa a encarar Sócrates como um inimigo público e um agitador em potencial. Foi preso, acusado de pretender subverter a ordem social, corromper a juventude e provocar mudanças na religião grega. Em sua cela, foi condenado a suicidar-se tomando um veneno chamado cicuta, em 399 AC.

Algumas frases e pensamentos atribuídas ao filósofo Sócrates:
“A vida que não passamos em revista não vale a pena viver.
A palavra é o fio de ouro do pensamento.
Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.
É melhor fazer pouco e bem, do que muito e mal.
Alcançar o sucesso pelos próprios méritos. Vitoriosos os que assim procedem.
A ociosidade é que envelhece, não o trabalho.
O início da sabedoria é a admissão da própria ignorância.
Chamo de preguiçoso o homem que podia estar melhor empregado.
Há sabedoria em não crer saber aquilo que tu não sabes.
Não penses mal dos que procedem mal; pense somente que estão equivocados.
O amor é filho de dois deuses, a carência e a astúcia.
A verdade não está com os homens, mas entre os homens.
Quatro características deve ter um juiz: ouvir cortesmente, responder sabiamente, ponderar prudentemente e decidir imparcialmente.
Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir.
Sob a direção de um forte general, não haverá jamais soldados fracos.
Todo o meu saber consiste em saber que nada sei.
Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo de Deus.”
Paulo Sérgio Ferreira Beckman

O MUNDO DA EXPERIÊNCIA, AS QUATRO CAUSAS, ÉTICA E POLÍTICA
Antonio Carlos Olivieri*

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Em 1996, descobriu-se em Atenas, Grécia, o sítio arqueológico onde funcionou o Liceu - a escola fundada por Aristóteles (384-322 a.C.), para concorrer com a Academia, a escola anterior, fundada por seu antigo professor, Platão (427-347 a.C.). A fundação do Liceu não reflete nenhuma ingratidão do discípulo com seu mestre, que por sinal já havia morrido cerca de dez anos quando a escola aristotélica surgiu (336 a.C.).

Aluno de Platão, a quem reconhecia o gênio, Aristóteles passou a discordar de uma idéia fundamental de sua filosofia e, então, o pensamento dos dois se distanciou. Talvez seja esse o ponto de partida para se falar da obra filosófica aristotélica.

Platão concebia a existência de dois mundos: aquele que é apreendido por nossos sentidos - por assim dizer, o mundo concreto -, que está em constante mutação; e um outro mundo - abstrato -, o mundo das idéias, imutável, independente do tempo e do espaço, que nos é acessível somente pelo intelecto.
O mundo da experiência
Para Aristóteles, existe um único mundo: este em que vivemos. Só nele encontramos bases sólidas para empreender investigações filosóficas. Aliás, é o nosso deslumbramento com este mundo que nos leva a filosofar, para conhecê-lo e entendê-lo.

Aristóteles sustenta que o que está além de nossa experiência não pode ser nada para nós. Nesse sentido, ele não acreditava e não via razões para acreditar no mundo das idéias ou das formas ideais platônicas.

Porém, conhecer o mundo da experiência, "concreto", foi um desejo ao qual Aristóteles se entregou apaixonadamente. Assim, ele descreveu os campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos até os nossos dias: lógica, física, política, economia, psicologia, metafísica, meteorologia, retórica e ética.

Aliás, ele inventou também os termos técnicos dessas disciplinas e eles também se mantêm em uso desde então. Exemplos? Energia, dinâmica, indução, demonstração, substância, essência, propriedade, categoria, proposição, tópico, etc.
O que é ser?
Filósofo que sistematizou a lógica, Aristóteles definiu as formas de inferência que são válidas e as que não são, além de nomeá-las. Durante dois milênios, estudar lógica significou estudar a lógica aristotélica.

Aristóteles aplicou a lógica, antes de mais nada, para responder a uma questão que lhe parecia a mais importante de todas: o que é ser?, ou, em outras palavras, o que significa existir? Primeiramente, o filósofo constatou que as coisas não são a matéria de que se constituem.

Por exemplo, uma pilha de telhas, outra de tijolos, vigas e colunas de madeira não são uma casa. Para se tornarem casa, é necessário que estejam reunidas de um modo determinado, numa estrutura muito específica e detalhada. Essa estrutura é a casa; e os materiais, embora necessários, podem variar.

Com o tempo, nosso corpo está em constante mutação - transforma-se da infância para adolescência, desta para a idade adulta e, finalmente, para a velhice. Nem por isso deixamos de ser nós mesmos. Da mesma maneira, um cão é um cão em virtude de uma organização e estrutura que ele compartilha com outros cães e que o diferencia de outros animais que também são feitos de carne, pelos, ossos, sangue...
As quatro causas
Para Aristóteles uma coisa é o que é devido a sua forma. Como, porém, o filósofo entende essa expressão? Ele compreende a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser aquilo que é. Na verdade, Aristóteles distingue a existência de quatro causas diferentes e complementares:
1. Causa material: de que a coisa é feita? No exemplo da casa, de tijolos.
2. Causa eficiente: o que fez a coisa? A construção.
3. Causa formal: o que lhe dá a forma? A própria casa.
4. Causa final: o que lhe deu a forma? A intenção do construtor.

Embora Aristóteles não seja materialista (vimos que a forma não é a matéria), sua explicação do mundo é mundana, está no próprio mundo. Finalmente, para o filósofo, a essência de qualquer objeto é a sua função. Diz ele que, se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um machado tivesse uma alma, esta seria o cortar. Entendendo isso, entendemos as coisas.

Mas o pensamento aristotélico não se limitou a essa área da filosofia que podemos chamar de teoria do conhecimento ou epistemologia. Deixando de lado os domínios que deram origem a outras ciências e nos limitando à filosofia propriamente dita, Aristóteles ainda refletiu sobre a ética, a política e a poética (que, no caso, compreende não apenas a poesia, mas a obra literária e teatral).
Ética e política
No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do convívio social.

Aristóteles acredita que a auto-indulgência e a autoconfiança exageradas criam conflitos com os outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Vem daí sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter.

Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do afastamento de todo e qualquer excesso.

Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. Por fim, o indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é, mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros homens.
O papel da arte
A poética tem, para Aristóteles, um papel importantíssimo nisso, na medida em que é a arte - em especial a tragédia - que nos proporciona as grandes noções sobre a vida, por meio de uma experiência emocional. Identificamo-nos com os personagens da tragédia e isso nos proporciona a catarse, uma descarga de desordens emocionais que nos purifica, seja pela piedade ou pelo terror que o conflito vivido pelas personagens desperta em nós.

Tudo isso é, evidentemente, um resumo ultra-sintético do pensamento aristotélico. Sua obra é gigantesca, apesar de a maior parte dela ter se perdido ao longo dos tempos. O que chegou até nós corresponde a 1/5 de sua produção. São notas suas e de seus discípulos que passaram nas mãos de estudiosos da Antigüidade, da Idade Média (parte dos quais em países islâmicos), e que foram reorganizadas pela posteridade.

Principalmente em função disso, a leitura de Aristóteles é difícil e seus textos não possuem a qualidade artística que encontramos nas obras de Platão. Para conhecer os aspectos relacionados às ciências na obra aristotélica clique aqui.
Bibliografia
"História da Filosofia", Julián Marías, Martins Fontes, 2004.
• "História da Filosofia", Bryan Magee, Edições Loyola, 2001.
• "Dicionário de Filosofia", Nicola Abbagnano, Martins Fontes, 2000.
• *Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

350 - 900 DC. Agostinho foi a linha de separação entre a especulação patrística e escolástica na filosofia medieval. Agostinho o maior de todos os pais latinos da igreja e não houve igual filosofo, teólogo desde Paulo até Tomás de aquino. Além dele temos Boethius como um dos principais filósofos deste período. Jonhn Scotus Erigena foi precursor do escolasticismo.

A FILOSOFIA MEDIEVAL DE SANTO AGOSTINHO (354-430)
O cristianismo estava consolidado nessa época: embora tivesse apenas quatrocentos anos, era considerado a verdade irrefutável. Apesar disso, Santo Agostinho, que nasceu no norte da África, numa cidade chamada Tagarte, nem sempre foi cristão. Fez os primeiros estudos na cidade natal e ,com a ajuda de um amigo foi para Cartago, aos dezesseis anos, completar os estudos superiores. Não foi um bom aluno. Na juventude, detestava estudar grego. Interessa-se pôr filosofia ao ler uma obra de Cícero. Quando criança era cristão, mas depois interessou-se pôr outras religiões, como a dos maniqueus, que formavam uma seita, e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e matéria. Com o seu espírito o homem pode transcender a matéria, para os maniqueístas. O maniqueísmo contém uma visão dualista radical, bem e mal são tomados como princípios absolutos. Posteriormente, Agostinho combateu essa doutrina, que foi criada pôr Manes. De início ele recusava a ler a Bíblia, pôr considerá-la vulgar. Teve um caso de amor, interessava-se pôr questões mundanas e nasceu um filho, falecido ainda adolescente. Com vinte anos, perdeu o pai e ficou sendo o responsável pelo sustento de duas famílias. Foi professor de retórica em Cartago, mas depois mudou-se para Roma. Sua mãe foi contra a mudança e Agostinho teve de enganá-la na hora da viagem. De Roma foi para Milão, onde foi novamente professor de retórica. Foi influenciado pelos estóicos, pôr Platão e o neoplatonismo, também estava entre os adeptos do ceticismo. Abandonou o maniqueísmo, que critica. Converteu-se então à fé cristã, depois de conhecer a palavra do apóstolo Paulo, e batizou-se aos trinta e dois anos de idade. Desistiu do cargo de professor. Voltou a Tagaste onde funda uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na Idade Média. Mostrou que sem a fé a razão não é capaz de levar para a felicidade. A razão, para Agostinho serve de auxiliar da fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos. Ele tinha tomado contato com o pensamento neoplatônico de que a natureza humano contém parte da essência divina. Demonstra que há limites para a racionalidade, receberemos um saber que está além do natural. Com o cristianismo uma luz inundou seu coração, sua alma encontrou a paz. Virou vigário aos trinta e seis anos, praticando a vida ascética.
Santo Agostinho escreveu Contra os Acadêmicos e expôs a teoria de que os sentidos dizem algo verdadeiro. O erro provém do juízo que fazemos das sensações, e não delas próprias. A sensação não é falsa, o que é falso é querer ver nelas uma verdade externa ao próprio sujeito. Virou Bispo de Hipona.
Agostinho ficou conhecido pôr "cristianizar" Platão, fazendo vários paralelos entre a parte espiritualista dele (que diz existir um mundo transcendente) e as sagradas escrituras. Faz a distinção entre o corpo, sujeito à sorte do mundo e a alma, que é atemporal., com a qual se pode conhecer Deus. Antes de Deus ter criado o mundo a partir do nada as Idéias eternas já existiam na sua mente. Deus é bondade pura. Ele já conhece o que uma pessoa vai viver antes dela viver. Assim apesar da humanidade ter sido amaldiçoada depois do pecado original, alguns alcançarão a verdade divina, a salvação. Isso depende do uso que fazemos do livre arbítrio, a faculdade que o indivíduo tem de determinar de acordo com a sua própria consciência a sua conduta, livre da Divina Providência enquanto está vivo. Seria o ato livre de decisão, de opção. Durante um diálogo, Agostinho chega a conclusão que o mal não provém de Deus, mas sim do mau uso do livre arbítrio. De fato ,para ele não existe mal, apenas a ausência de Deus. (com isso ele refuta de vez a doutrina dos maniqueus) Essa teoria encontra-se no livro O livre arbítrio.
Com uma vida errada, a alma fica presa ao corpo, porém a relação correta é a inversa. Os órgãos sensoriais sentem a ação dos elementos exteriores, a alma não. Deus é a fonte dos conhecimentos perfeitos e não o homem. A experiência mística leva à iluminação divina. Assim se chega às verdades eternas, e o intelecto então é capaz de pensar corretamente a ordem natural divina. A unidade divina é plena e viva, e guarda a multiplicidade. O amor de Deus é infinito. A graça e a liberdade complementam-se.
Na obra a Cidade de Deus, Agostinho faz oposição entre sensível e inteligível, alma e corpo, espírito e matéria, bem e mal e ser e não ser. Acrescenta a história à filosofia, interpretando a história da humanidade como o conflito entre a Cidade de Deus, inspirada no amor à Deus e nos valores que Cristo pregou, presentes na Igreja, e a Cidade humana, baseada nos valores imediatos e mundanos. Essas cidades estariam presentes na alma humana, e no final a Cidade de Deus triunfaria. Outra obra importante são as Confissões, que é autobiográfica. Essa obra faz dele um precursor de Descartes, Rousseau e o existencialismo. Acredita na verdade contida nos números, que fazem parte da natureza.

A FILOSOFIA MEDIEVAL DE SANTO ANSELMO (1033-1109)
Anselmo nasceu em Aosta na Itália, filho de um nobre Gondolfo, e de uma mãe rica, Ermenberga. Seguiu a carreira religiosa, fez estudos clássicos e escreveu sempre em latim. Foi eleito prior em 1063, porque tinha muita inteligência e piedade. Sua biografia nos é contada pelo seu discípulo, Eadmero. Foi comum na Idade Média os religiosos buscavam o apoio da fé na razão. Anselmo escreveu uma obra sobre esse assunto. É considerado um dos iniciadores da tradição escolástica. Buscava um argumento para provar a existência de Deus, e sua bondade suprema. Fala que a crença e a fé correspondem à verdade, e que existe verdadeiramente um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ele não existe apenas na inteligência, mas também na realidade. Anselmo desenvolveu uma linha de pensamento sobre essas bases, chamados de argumento ontológico, que foi retomada por Descartes e criticada por Kant, e ela estava numa obra chamada Proslógio. Parte do fato de que o homem encontra no mundo muitas coisas, algumas boas, que procedem de um bem absoluto, que é necessariamente existente. Todas as coisas tem uma causa, menos o ser incriado, que é a causa de si mesmo e fundamenta todos os outros seres. Esse ser é Deus. Seus argumentos não foram totalmente aceitos. Anselmo chegou a arcebispo da Cantuária em 1093. Escreveu outras obras importantes, Da Gramática e A Verdade, latim. Recebeu doações de terras para a igreja, mas brigou com Guilherme, o ruivo, rei da Inglaterra pois não queria fazer comércio com os bens da Igreja. Isso foi considerado um desrespeito ao poder Real, e Guilherme impediu Anselmo de Viajar para Roma, desafiando o poder da Igreja.
Num dos seus primeiros livros, Monológico, em que apresenta sua visão de Deus, Anselmo fala que a essência suprema existe em todas as coisas e tudo depende dela. Reconhece nela onipotência, onipresença, máxima sabedoria e bondade suprema. Ela criou tudo a partir do nada. Anselmo procurava desenvolver um raciocínio evolutivo sobre o que considerava ser a verdade, que estava contida na Bíblia. Para Anselmo, o pensamento tem algo de divino, e Deus tem uma razão. Sua palavra é sua essência, e Ele é pura essência (essa noção não é nova) infinito, sem começo nem fim, pois nada existiu antes da essência divina e nada existirá depois. Para ela o presente, o passado e o futuro são juntos ao tempo, são uma coisa só. E Ela é imutável, uma substância, embora seja diferente da substância das outras criaturas. Existe de uma maneira simples e não pode ser comparado com a consciência das criaturas, pois é perfeito e maravilhoso e tem todas as qualidades já citadas. O verbo e o espírito supremo são uma coisa só, pois este usa o verbo consubstancial para expressar-se. Mas a maneira intrínseca que o espírito supremo se expressa e conhece as coisas é incogniscível para nós. O verbo procede de Deus por nascimento, e o pai passa a sua essência para o filho. O espírito ama a si mesmo, e transmite esse amor.
Para Anselmo, a alma humana é imortal, e as criaturas seriam felizes e infelizes eternamente. Mas nenhuma alma é privada do bem do Ser supremo, e deve buscá-lo, através da fé. E Deus é uno. Para se contemplá-lo devemos nos afastar dos problemas e preocupações cotidianos e buscá-lo. Ele é onipotente embora não possa coisas como morrer ou mentir. É piedoso, em parte por ser impassível, o que não o impede de exercer sua justiça, pois ele pensa e é vivo. Anselmo fala muito da crença divina do Pai, do filho e do espírito humano. Grandes coisas esperam por aquele que aceitar Deus e buscá-lo. Santo Anselmo influenciou muito o pensamento teológico posterior.
A FILOSOFIA MEDIEVAL DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
Aquino nasceu em um castelo próximo à cidade de Aquino, Itália, de uma família nobre. Entrou cedo para a ordem Dominicana. Não se sabe com precisão os acontecimentos da sua vida. As universidades surgem no século XII, e elas começam a ter forte atuação e influência. Cria-se um ambiente cultural, nas capitais, em que irão atuar Alberto Magno e seu discípulo, São Tomás de Aquino. Há uma miscigenação cultural, pois os Sábios da Arábia vem para a Europa. São Tomás de Aquino entrou para a universidade de Nápoles, onde estudou filosofia. Sabia, falava e escrevia em latim fluentemente.
Escreveu um opúsculo quando ainda era jovem, O ente e a Essência, entre os anos de 1252 e 1253. Aborda questões metafísicas, explicando o percurso da consciência humana entre a sensação e a concepção . Diz, o que cai imediatamente no alcance do saber humano é composto. O homem se eleva do composto ao simples, do posterior ao anterior. A essência existe no intelecto. A substância composta é matéria e forma. A forma e matéria, quando tomadas em si, ou seja sem o aparato do entendimento racional considerando-as, é incognoscível, mas existem caminhos para a investigação das possibilidades. O intelecto quando está isento da materialidade, desvela que nada pode ser mais perfeito do que aquilo que confere o ser. São Tomás é famoso por ter cristianizado Aristóteles, à semelhança do que fez Agostinho com Platão, ele transformou o pensamento desse sábio num padrão aceitável pela igreja católica, Apesar de Aristóteles não ter conhecido a revelação cristã, como diz Tomás, e de sua obra ser original, autônoma e independente de dogmas, ele está em harmonia com o saber contido na Bíblia. E Tomás aplica o pensamento de Aristóteles na teologia. No Ente e a Essência, ele comenta obras como a Física e a Metafísica. E as observações sobre Aristóteles vão permanecer em todas as suas obras. Além dessa influência podemos citar os padres da Igreja, o pseudo-dioníseo (mais cultura grega), Boécio e os árabes e judeus como influência. Tomás de Aquino afirma que podemos conhecer Deus pelos seus efeitos, ele é o último em uma escala evolutiva, a causa de todas as coisas. Antes de Deus vem os anjos, e antes desses, os homens. Ele comenta o gênero e a espécie, que pertencem à essência, pois o todo está no indivíduo.
A essência tem dois modos, um é dela própria, nada é verdadeiramente dela, senão o que lhe cabe como ela própria. Por exemplo o homem, por ser homem, será sempre racional. Mas o branco e o preto não são noções exclusivas da humanidade.
No outro modo, algo se predica da essência, por acidente daquilo que é específico, como o homem ser de cor branca. As formas são inteligidas na medida em que estão separadas da matéria e suas condições. A diferença da essência da substância compostas e simples é que a composta é forma e matéria, e a simples é apenas forma. A inteligência possui potência e ato.
Santo Tomás de Aquino é mais um que fala (como o fez mais tarde Espinosa) que a essência de Deus é o seu próprio ser.
Concluindo, ele diz que há essência nas substâncias e nos acidentes.
Então virou professor e foi para Paris, onde escreve comentários sobre a Bíblia. Nessa cidade passa a vida, foi onde escreveu as duas Sumas que compõe a sua obra: A Suma contra os gentios e a Suma teológica, mais diversos opúsculos. São obras teológicas, com muitos aspectos filosóficos. Santo Tomás afirma que o homem possui uma capacidade, passada por Deus, de distinguir naturalmente o certo e o errado. Ele não tinha uma visão muito positiva da mulher, como Aristóteles, que dizia ser o homem ativo ,criativo e doador de energia vital na concepção, enquanto a mulher é receptora e passiva. Ele achava que isso estava de acordo com a afirmação da Bíblia que a mulher deriva de uma costela do homem. Na Bíblia está escrito como viver segundo a vontade de Deus, e daí Tomás tira seus argumentos sobre a vida moral. Ele demonstra que não há conflito entre a fé e a razão. O conhecimneto verdadeiro é uma adição da inteligência para o objeto a ser inteligido em si. Apesar de Deus ser a causa de tudo, ele não age diretamente nos fatos de sua criação. Mas a providência existe e governa o mundo, pois ele é abslouto e necessário. E a felicidade do homem só pode ser encontrada na contemplação da verdade.
A obra de São Aquino é imensa, alguns de seus trabalhos foram escritos por ele mesmo, outros ditados e outros ainda reportados. Aristóteles disse, e isso foi comentado por São Tomás, que o homem tem a sensação em comum com os animais, que sentem de maneira perfeita. A memória nasce pelo acúmulo de lembranças, e a lembrança nasce da experiência. Mas o homem se eleva ao raciocínio e produz a arte. A filosofia é um conhecimento das causas dos fenômenos. Assim a filosofia deve considerar o senso comum e tem um aspecto coincidente com a teologia: seu saber provém da Sabedoria divina. Então, em menor grau o saber popular também. Mas a sabedoria divina deve ser procurada através da fé, dizia Tomás, e isso é comum entre os teólogos.
Ele distingue na natureza o ser real e o ser da razão (Espinoza nos Pensamentos metafísicos também o faz, mais uma vez.). O ser real existe independente de qualquer consideração da razão. O ser da razão é aquele que apesar de existir em representação, não pode ser independente do pensamento de quem o concebe. Assim a lógica humana só existiria no conceito, e não na realidade. Por outro lado, a alma é imortal, pois é imaterial, e tudo que é imaterial é imortal. Esse argumento como outras verdades teológicas pode ser agora combatido, mas durante séculos ele fundamentou o pensamento em que a Igreja se apoia.
Para Tomás, o conhecimento passa por vários graus de abstração cujo objetivo é conhecer a imaterialidade. O primeiro esforço da existência abstrativa consiste em considerar as coisas independentemente dos sentidos e da noção que tiramos dele. O segundo esforço consiste em considerar as coisas independentes das qualidades sensíveis. No terceiro esforço tem que se consideraras coisas independentes do seu valor material. Assim chega-se ao objeto metafísico, que é imaterial, espiritual.
Na Suma contra os Gentios faz uma exposição completa da religião católica, identificando o que há de verdade nela. Gentios eram os pagãos e os maometanos. Essa suma trata de Deus e suas obras, da fé no mistério da santíssima trindade, da encarnação, dos sacramentos e da vida eterna. Deus é a verdade pura, sem falsidade vontade que existe em si e para si e neste processo estende sua vontade para o que não é a sua essência. O que não é sua essência seriam só as coisas percebidas, pois Deus é tudo. Não tem ódio, não quer o mal, sua potência indica-se com a sua ação, mas ele não pode tudo. Santo Tomás de Aquino faz a distinção entre a filosofia e teologia. E as criaturas não existem desde sempre. Ele descreve o momento em que se inicia uma vida, quando mostra como a alma se junta ao corpo. É uma grande obra, que influenciou e influencia até hoje todos os que se querem católicos, além de filósofos e outros estudiosos.
O ESCOLASTICISMO
Alguns datam os primórdios deste movimento no século VII DC. Fazendo o prolongar-se até o século XV DC. Seja como for, chegou a o seu ponto culminante nos séculos XII e XIII. Esse nome alude aos homens de escola os mestres universitários, filhos da igreja católica romana, que controlavam o sistema educacional da Europa, durante a idade média. O sistema estava alicerçado sobre o manuseio filosófico da fé cristã, destacando se as idéias filosóficas de Platão e Aristóteles mas, especialmente, a lógica e a metafísica do último deles. O maior filosofo deste período foi Tomas de Aquino. A filosofia dele continua sendo uma poderosa força tanto no seio da igreja católica romana quanto no mundo filosófico.
Os principais teólogos filosóficos deste período foram.
• Anselmo 1033 - 1109
• Roscelino 1050 - 1122
• Guilherme de Cjampeaux 1070 - 1121
• Pedro Abelardo 1079 - 1142
• Pedro Lombardo + - 1164
• Vernardo de Clairvaux 1091 - 1153
• João de Salisbury 1115 - 1180
• Alexandre de Hales falecido em 1245
• Alberto Magno 1193 - 1280
• Tomás de Aquino 1225 - 1274
• Boaventura 1121 - 1274
• Rogério Bacon 1214 - 1294
• João Duns Scotus 1226 - 1308
R.N.Chaplin, Ph.D.
J.M.Bentes
Editora Candeia
Autoria: Carlos Cesar Tourinho




Marilena Chaui
Universidade de S. Paulo, USP

1. Problemas de cronologia: Quando começa a "filosofia moderna"?
Freqüentemente, os historiadores da filosofia designam como filosofia moderna aquele saber que se desenvolve na Europa durante o século XVII tendo como referências principais o cartesianismo — isto é, a filosofia de René Descartes —, a ciência da Natureza galilaica — isto é, a mecânica de Galileu Galilei —, a nova idéia do conhecimento como síntese entre observação, experimentação e razão teórica baconiana — isto é, a filosofia de Francis Bacon — e as elaborações acerca da origem e das formas da soberania política a partir das idéias de direito natural e direito civil hobbesianas — isto é, do filósofo Thomas Hobbes.
No entanto, a cronologia pode ser um critério ilusório, pois o filósofo Bacon publica seus Ensaios em 1597, enquanto o filósofo Leibniz, um dos expoentes da filosofia moderna, publica a Monadologia e os Princípios da Natureza e da Graça em 1714, de sorte que obras essenciais da modernidade surgem antes e depois do século XVII. Muitos historiadores preferem localizar a filosofia moderna no período designado como Século de Ferro, situado entre 1550 e 1660, tomando como referência as grandes transformações sociais, políticas e econômicas trazidas pela implantação do capitalismo, enquanto outros consideram decisivo o período entre 1618 e 1648, isto é, a Guerra dos Trinta Anos, que delineia a paisagem política e cultural da Europa moderna.
Entretanto, essas datas e períodos podem convidar a um novo equivoco, qual seja, o de estabelecer uma relação causal direta entre acontecimentos sócio-políticos e a constituição dos conhecimentos filosóficos, científicos e técnicos, ou a criação artística. Relação entre eles, sem dúvida, existe. Mas não é linear nem causal: idéias e criações podem estar em avanço ou em atraso com relação aos acontecimentos sócio-políticos e econômicos, não porque pensadores e artistas sejam criaturas fora do espaço e do tempo, mas porque tudo depende da maneira como enfrentam questões colocadas por sua época, indo além ou ficando aquém delas. Em resumo, a relação entre uma obra e seu tempo não é a do mero reflexo intelectual de realidades sociais dadas. Um pensador e um artista se dirigem aos seus contemporâneos, mas isto não significa que sejam, em suas idéias e criações, contemporâneos de seus destinatários. Captam as questões colocadas por sua época, mas isto não significa que sua época capte as respostas por eles encontradas ou criadas. Por esses motivos, muitos historiadores das idéias consideram que pensadores e artistas, afinal, criam seu próprio público, as obras produzem seus destinatários, tanto os contemporâneos quanto os pósteros.
A cronologia pode ser enganadora quando pretendemos traçar os contornos de uma época de pensamento. Assim, por exemplo, a inauguração da idéia moderna da política como compreensão da origem humana e das formas do Poder, como compreensão do Poder enquanto solução que uma sociedade dividida internamente oferece a si mesma para criar simbolicamente uma unidade que, de fato, não possui, é uma inauguração bem anterior ao século XVII, pois foi feita por Maquiavel. Por outro lado, a idéia de que a política é uma esfera de ação laica ou profana, independente da religião e da Igreja, tema caro aos filósofos modernos, foi desenvolvida no final da Idade Média por um jurista como Marsílio de Pádua. Também a idéia do valor e da importância da observação e da experiência para o conhecimento humano aparece nos fins da Idade Média com filósofos como Roger Bacon ou Guilherme de Ockam. A extrema valorização da capacidade da razão humana para conhecer e transformar a realidade — a confiança numa ciência ativa ou prática em oposição ao saber contemplativo — é uma das características principais do chamado Humanismo, desenvolvido durante a Renascença. Em contraposição à perspectiva medieval, que era teocêntrica (Deus como centro do conhecimento e da política), os humanistas procuram laicizar o saber, a moral e a política, tomando como centro o Homem Virtuoso.
Para contornar essas dificuldades, muitos historiadores da filosofia se habituaram a designar o Renascimento como um período de transição para a modernidade ou a ruptura inicial face ao saber medieval que preparou o advento da filosofia moderna. Nesta perspectiva, o Renascimento apresentaria duas características principais: por um lado, seria um momento de grandes conflitos intelectuais e políticos (entre platônicos e aristotélicos, entre humanistas ateus e humanistas cristãos, entre Igreja e Estado, entre academias leigas e universidades religiosas, entre concepções geocêntricas e heliocêntricas, etc.), e, por outro lado, um momento de indefinição teórica, os renascentistas não tendo ainda encontrado modos de pensar, conceitos e discussões que tivessem abandonado definitivamente o terreno das polêmicas medievais. O Renascimento teria sido época de grande efervescência intelectual e artística, de grande paixão pelas novas descobertas quanto à Natureza e ao Homem, de redescobertas do saber greco-romano liberado da crosta interpretativa com que o cristianismo medieval o recobrira, de desejo de demolir tudo quanto viera do passado, desejo favorecido tanto pela chamada Devoção Moderna (a tentativa de reformar a religião católica romana sem romper com a autoridade papal) quanto pela Reforma Protestante e pelas guerras de religião, que abalaram a idéia de unidade européia como unidade político-religiosa e abriram as portas para o surgimento dos Estados Territoriais Modernos.
Ao mesmo tempo, no entanto, a indefinição e os conflitos teriam feito da Renascença um período de crise. Em primeiro lugar, crise da consciência, pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano Bruno deixava os seres humanos sem referência e sem centro; em segundo lugar, crise religiosa, pois tanto a Devoção Moderna quanto a Reforma Protestante criaram infinidade de tendências, seitas, igrejas e interpretações da Sagrada Escritura, dos dogmas e dos sacramentos, de modo que a referência à idéia de Cristandade, central desde Carlos Magno, se perdera; em terceiro lugar, crise política, pois a ruptura do centro cósmico (o universo é infinito), a perda do centro religioso (o papado), a perda do centro teórico (geocentrismo, aristotelismo tomista, mundo hierárquico de seres e de idéias) foi também a perda do centro político (o Sacro Império Romano Germânico destroçado pelos reinos modernos independentes e pelas cidades burguesas do capitalismo em expansão) e de suas instituições (papa, imperador, Direito Romano, Direito Canônico, relações sociais determinadas pela hierarquia da vassalagem entre os nobres e pela clara divisão entre senhores e servos, das relações econômicas definidas pela posse da terra e pela agricultura e pastoreio, com o artesanato urbano apenas subsidiário para o pequeno comércio dos burgos).
O resultado da transição, da indefinição e da crise, conforme muitos historiadores, foi o ceticismo filosófico, cujos maiores expoentes teriam sido Montaigne e Erasmo.
Só muito recentemente, os historiadores das idéias e da história sócio-política desfizeram essa imagem da transitoriedade e indefinição renascentistas, mostrando haver o Renascimento criado um saber próprio, com conceitos e categorias novos e sem os quais a filosofia moderna teria sido impossível.
Assim, por exemplo, o historiador das idéias e das instituições européias, Michel Foucault, no livro As Palavras e as Coisas (Les Mots et les Choses), considera o Renascimento um período em que os conhecimentos são regulados por um conceito fundamental: o conceito de Semelhança, graças ao qual são pensadas as relações entre seres que constituem toda a realidade, motivo pelo qual ciências como a medicina e a astronomia, disciplinas como a retórica e a história, teorias sobre a natureza humana, a sociedade, a política e a teologia empregam conceitos como os de simpatia e antipatia (nas doenças e nos movimentos dos astros), de imitação ou emulação (entre os seres humanos, entre as coisas vivas, entre humanos e coisas, entre o visível e o invisível, como no caso da alquimia), conceitos que nada têm a ver com a "magia" como superstição, mas com a magia como forma de revelação do oculto pelos poderes da mente humana, isto é, a Semelhança define um certo tipo de saber e um certo tipo de poder. Também é central o conceito de amizade, como atração natural e espontânea dos iguais (animais, humanos) e que serve de referência para pensar-se a figura do tirano como inimigo do povo e criador de reinos regulados pela inimizade recíproca (forma de compreender as divisões sociais e os conflitos entre poder e sociedade).
A Natureza é pensada como um grande Todo Vivente, internamente articulado e relacionado pelas formas variadas da Semelhança, indo dos minerais escondidos no fundo da terra ao brilho dos astros no firmamento, das coisas aos homens, dos homens a Deus. Essa idéia de totalidade vivente se exprime na frase de Giordano Bruno: "A Natureza opera a partir do Centro" (La Natura opra dal centro). Essa mesma idéia permite distinguir uma história humana e uma história natural no sentido da diferença entre ações humanas, que têm poder de transformação sobre a realidade, e as ações que nada podem sobre a Natureza enquanto obra divina, idéia que se exprime na filosofia da história de Vico.
A idéia de imitação aparece na teoria política quando alguns humanistas (sobretudo os humanistas cristãos como Erasmo e Thomas Morus) consideram que as qualidades (virtudes ou vícios) dos governantes são um espelho para a sociedade inteira, de tal modo que num regime tirânico os súditos serão tiranos também. Essa idéia de um imenso espelho reaparece no ensaio de La Boétie, Discurso da Servidão Voluntária, mas com uma grande inovação: não é o tirano que cria uma sociedade tirânica, mas é a sociedade tirânica (a sociedade onde homens desejam a servidão) que produz o tirano, o seu espelho.
A imitação também aparece no grande prestígio da retórica que ensina a imitação dos grandes autores e artistas clássicos da antigüidade, mas não como repetição ou reprodução do que eles pensaram, escreveram ou fizeram, e sim como recriação a partir dos procedimentos antigos. A erudição, uma das principais características dos humanistas, não é acúmulo de informações, mas uma atitude polêmica perante a tradição (recusar a apropriação católica da cultura antiga). Isto aparece com grande clareza nos historiadores que procuram conhecer fontes primárias e documentos originais a fim de elaborar uma história objetiva e patriótica, isto é, uma história nacional que seja, por si mesma, a refutação da legitimidade da dominação da Igreja Romana e do Império Romano Germânico sobre os Estados Nacionais. A erudição também serve, juntamente com a retórica, para um tipo muito peculiar de imitação dos antigos: aquela que é feita pelos escritores com a finalidade de criar uma língua nacional culta, rica, bela e que substitua o imperialismo do latim. Assim, em todas as esferas das atividades culturais pode-se perceber que a famosa "renascença dos antigos" não tem uma finalidade nostálgica e sim polêmica e criadora, que diz respeito ao presente e às suas questões.
2. Alguns aspectos do Renascimento, da Reforma e da Contra-Reforma
Do lado do que denominamos Renascimento, encontramos os seguintes elementos definidores da vida intelectual: 1) surgimento de academias laicas e livres, paralelas às universidades confessionais, nas quais imperavam as versões cristianizadas do pensamento de Platão, Aristóteles, Plotino e dos Estóicos e as discussões sobre as relações entre fé e razão, formando clérigos e teólogos encarregados da defesa das idéias eclesiásticas; as academias redescobrem outras fontes do pensamento antigo, se interessam pela elaboração de conhecimentos sem vínculos diretos com a teologia e a religião, incentivam as ciências e as artes (primeiro, o classicismo e, depois da Contra-Reforma, o maneirismo); 2) a preferência pelas discussões em torno da clara separação entre fé e razão, natureza e religião, política e Igreja. Considera-se que os fenômenos naturais podem e devem ser explicados por eles mesmos, sem recorrer à continua intervenção divina e sem submetê-los aos dogmas cristãos (como, por exemplo, o geocentrismo, com a Terra imóvel no centro do universo); defende-se a idéia de que a observação, a experimentação, as hipóteses lógico-racionais, os cálculos matemáticos e os princípios geométricos são os instrumentos fundamentais para a compreensão dos fenômenos naturais (Bruno, Copérnico, Leonardo da Vinci sendo os expoentes dessa posição). Desenvolvem-se, assim, tendências que a ortodoxia religiosa bloqueara durante a Idade Média, isto é, o naturalismo (coisas e homens, enquanto seres naturais, operam segundo princípios naturais e não por decretos divinos providenciais e secretos); 3) interesse pela ciência ativa ou prática em lugar do saber contemplativo, isto é, crença na capacidade do conhecimento racional para transformar a realidade natural e política, donde o interesse pelo desenvolvimento das técnicas (respondendo a exigências intelectuais e econômicas da época, quando o capitalismo pede instrumentos que sejam aumentadores da capacidade das forças produtivas); 4) alteração da perspectiva da fundamentação do saber, isto é, passagem da visão teocêntrica (Deus como centro, principio, meio e fim do real) para a naturalista e para a humanista. Aqui, duas grandes linhas se desenvolvem: de um lado, a discussão sobre a essência da alma humana como racional e passional, de sua força e de seus limites, conduzindo àquilo que, mais tarde, seria conhecido como o Sujeito do Conhecimento ou a Subjetividade, que, no Renascimento, ainda se encontra mais próxima de uma "psicologia da alma" e de uma moral, enquanto na filosofia moderna estará mais voltada pelo que seria chamado de Epistemologia (dessa preocupação com o homem, Nicolau de Cusa, Ficino, Erasmo e Montaigne serão os grandes expoentes); e, de outro lado, a discussão em torno dos fundamentos naturais e humanos da política. Nesta, três linhas principais se desenvolvem. A primeira, vinda dos populistas e conciliaristas medievais e da história patriótica e republicana das cidades italianas, encontra seu ponto mais alto e controvertido em Maquiavel que, além de desmontar as concepções clássicas e cristãs sobre o "bom governante virtuoso" e de uma origem divina, ou natural ou racional do poder, funda o poder na divisão originária da sociedade entre os Grandes (que querem oprimir e comandar) e o Povo (que não quer ser oprimido nem comandado), a Lei sendo a criação simbólica da unidade social pela ação política e pela lógica da ação (e não pela força, como se costuma supor). Na segunda linha, a discussão se volta para a crítica do presente pela elaboração de uma outra sociedade possível-impossível, justa, livre, igualitária, racional perfeita — a utopia, cujos expoentes são Morus e Campanella. A terceira linha discute a política a partir dos conceito de direito natural e direito civil (linha que irá predominar entre os modernos), das causas das diferenças entre os regimes políticos e as formas da soberania, sendo seus expoentes Pasquier, Bodin, Grócio. Nas três linhas, encontramos a preocupação com a história, seja como prova de que outra sociedade é possível, seja como exame dos erros cometidos por outros regimes, seja como exemplo do que pode ser imitado ou conservado.
Por seu turno, a Reforma destrói a crença (concretamente ilusória, pois jamais existente) da unidade da fé cristã, dos dogmas e cerimônias, e sobretudo da autoridade religiosa: questiona-se a autoridade papal e episcopal, questiona-se o privilégio de somente alguns poderem ler e interpretar os livros Sagrados, questiona-se que Deus tenha investido o papado do direito de ungir e coroar reis e imperadores, questionam-se dogmas e ritos (como a missa e até mesmo o batismo). O mundo cristão europeu cinde-se de alto a baixo em novas ortodoxias (luteranismo, calvinismo, anglicanismo, puritanismo) e em novas heterodoxias (anabatistas, menonitas, quakers, os "cristãos sem igreja"). As lutas religiosas não ocorrem apenas entre católicos e reformados, mas também entre estes últimos e particularmente entre eles e as pequenas seitas radicais e libertárias que serão freqüentemente dizimadas, com violência descomunal. Modifica-se a maneira de ler e interpretar a Bíblia, modifica-se a relação entre religião e política: todos devem ter o direito de ler o Livro Santo e nele Deus não declarou que a monarquia é o melhor dos regimes políticos. Dois resultados culturais decorrem dessa nova atitude: por um lado, o desenvolvimento de escolas protestantes para alfabetização dos fiéis, para que possam ler a Bíblia e escrever sobre suas próprias experiências religiosas, divulgando a nova e verdadeira fé (a panfletagem será uma das marcas características da Reforma, que produziu uma população alfabetizada); por outro lado, na fase inicial do protestantismo (que seria suplantada quando algumas seitas triunfassem e se tornassem dominantes), a defesa da idéia de comunidade, de república popular ou aristocrática e do direito político à resistência, isto é, da desobediência civil face ao papado e aos reis e imperadores católicos.
Enfim, a Contra-Reforma, cuja expressão mais alta e mais eficaz será a Companhia de Jesus, define um novo quadro para a vida intelectual: por um lado, para fazer frente à escolaridade protestante, os jesuítas (mas não somente eles) enfatizam a ação pedagógico-educativa (não nos esqueçamos de Nóbrega e Anchieta ensinando índios a ler e a escrever!), e, por outro lado, enfatizam o direito divino dos reis, fortalecendo a tendência dos novos Estados Nacionais à monarquia absoluta de direito divino. É no quadro da Contra-Reforma, como renovação do catolicismo para combate ao protestantismo, que a Inquisição toma novo impulso e se, durante a Idade Média, os alvos privilegiados do inquisidor eram as feiticeiras e os magos, além das heterodoxias tidas como heresias, agora o alvo privilegiado do Santo Oficio serão os sábios: Giordano Bruno é queimado como herege, Galileu é interrogado e censurado pelo Santo Oficio, as obras dos filósofos e cientistas católicos do século XVII passam primeiro pelo Santo Oficio antes de receberem o direito à publicação e as obras dos pensadores protestantes são sumariamente colocadas na lista das obras de leitura proibida (o Index). A Contra-Reforma realizará, do lado católico, o mesmo que a Reforma triunfante, do lado protestante: o controle da atividade intelectual que o Renascimento liberara e que cultivara como liberdade de pensamento e de expressão.
É no interior desse contexto polêmico, freqüentemente autoritário e violento que se desenvolve a Filosofia Moderna do século XVII.
3. Características gerais do saber no século XVII
A expressão "filosofia moderna ou filosofia do século XVII" é uma abstração, como já sugerimos ao mencionar a questão da cronologia. Mas é também uma abstração se considerarmos as várias filosofias que polemizaram entre si nesse período, os filósofos concebendo a metafísica, a ciência da Natureza, as técnicas, a moral e a política de maneiras muito diferenciadas. No entanto, para quem olha de longe, é impossível não reconhecer a existência de um campo de pensamento e de um campo discursivo comuns a todos os pensadores modernos e no interior dos quais suas semelhanças e diferenças se configuram. É desse campo comum que falaremos aqui.
Convém não esquecermos que a distinção entre filosofia e ciência é muito recente (consolidou-se apenas nos meados do século XIX), de modo que os pensadores do século XVII são considerados sábios (e não intelectuais, noção que também é muito recente) e não separam seus trabalhos científicos, técnicos, metafísicos, políticos. Para eles, tudo isso constitui a filosofia e cada sábio costuma ser um pesquisador ou um conhecedor de todas as áreas de conhecimento, mesmo que se dedique preferencialmente mais a umas do que a outras. Essa relação entre as atividades levou o filósofo Merleau-Ponty a designar a filosofia moderna como a época do Grande Racionalismo para o qual as relações entre ciência da Natureza, metafísica, ética, política, espírito e matéria, alma e corpo, consciência e mundo exterior estavam articuladas porque fundadas num mesmo princípio que vinculava internamente todas as dimensões da realidade: a Substância Infinita, isto é, o conceito do Ser Infinito ou Deus.
Das características gerais do campo de pensamento e de discursos da Filosofia Moderna, destacaremos os seguintes: o significado da nova ciência da Natureza, os conceitos de causalidade e de substância, a idéia de método ou de mathesis universalis, e a idéia de razão, explícita ou implicitamente elaborada por tais pensadores.
3.1. A nova Ciência da Natureza ou Filosofia Natural
Num nível superficial, pode-se dizer que a nova Ciência da Natureza ou Filosofia Natural possui três características 1) passagem da ciência especulativa para a ativa, na continuidade do projeto renascentista de dominação da Natureza e cuja fórmula se encontra em Francis Bacon: "Saber é Poder"; 2) passagem da explicação qualitativa e finalística dos naturais para a explicação quantitativa e mecanicista; isto é, abandono das concepções aristotélico-medievais sobre as diferenças qualitativas entre as coisas como fonte de explicação de suas operações (leve, pesado, natural, artificial, grande, pequeno, localizado no baixo ou no alto) e da idéia de que os fenômenos naturais ocorrem porque causas finais ou finalidades os provocam a acontecer. Tais concepções são substituídas por relações mecânicas de causa e efeito segundo leis necessárias e universais, válidas para todos os fenômenos independentemente das qualidades que os diferenciam para nossos cinco sentidos (peso, cor, sabor, textura, odor, tamanho) e sem qualquer finalidade, oculta ou manifesta; 3) conservação da explicação finalística apenas no plano da metafísica: a liberdade da vontade divina e humana e a inteligência divina e humana, embora incomensuráveis, se realizam tendo em vista fins (o filósofo Hobbes suprimirá boa parte das finalidades no campo da moral, dando-lhe fisionomia mecanicista também, e o filósofo Espinosa suprimirá a finalidade na metafísica e na ética, criticando-a como superstição e ignorância das verdadeiras causas das ações).
Todavia, como salienta o historiador das idéias, Alexandre Koyré, essas características são apenas efeitos de modificações mais profundas na nova Ciência da Natureza e que são:
1) a destruição, vinda do Renascimento, da idéia greco-romana e cristã de Cosmos, isto é, do mundo como ordem fixa segundo hierarquias de perfeição, dotado de centro e de limites conhecíveis, cíclico no tempo e limitado no espaço. Em seu lugar, surge o Universo Infinito, aberto no tempo e no espaço, sem começo, sem fim, sem limite e que levará o filósofo Pascal à célebre fórmula da "esfera cuja circunferência está em toda parte e o centro em nenhuma". Não apenas o heliocentrismo é possível a partir dessa idéia, mas com ela dois novos fenômenos ocorrem: em primeiro lugar, a perda do centro, que levará os pensadores a uma indagação que, de acordo com o historiador da filosofia Michel Serres, é essencial e prévia à própria possibilidade do conhecimento, qual seja, indagam se é possível encontrar um outro centro, ou um ponto fixo a partir do qual seja possível pensar e agir (os filósofos falam na busca do ponto de Arquimedes para o pensamento); em segundo lugar, uma nova elaboração do conceito de ordem e que, segundo Michel Foucault, será a motivação principal na elaboração moderna do método para conhecer (sem ordem não há conhecimento possível, e a primeira coisa a ordenar será a própria faculdade de conhecer);
2) a geometrização do espaço. Este era, na física aristotélico-tomista, um espaço topológico e topográfico (isto é, constituído por lugares — topoi — que determinavam a forma de um fenômeno natural, sua importância, seu sentido), o mundo estando dividido em hierarquias de perfeição conforme tais lugares. Agora, o espaço se torna neutro, homogêneo, mensurável, calculável, sem hierarquias e sem valores, sem qualidades. É essa a idéia que se exprime na famosa frase de Galileu que abre a modernidade científico-filosófica: "A filosofia está escrita neste vasto livro, constantemente aberto diante de nossos olhos (quero dizer, o universo) e só podemos compreendê-lo se primeiro aprendermos a conhecer a língua, os caracteres nos quais está escrito. Ora, ele está escrito em linguagem matemática e seus caracteres são o triângulo e o círculo e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível compreender uma só palavra". Ou como dirá Espinosa, ao escrever sobre os afetos e as paixões em sua Ética, declarando que deles tratará como se estivesse escrevendo sobre linhas, superfícies, volumes e figuras geométricas;
3) a mecânica como nova ciência da Natureza, isto é, a idéia de que todos os fenômenos naturais (as coisas não humanas e humanas) são corpos constituídos por partículas dotadas de grandeza, figura e movimento determinados e que seu conhecimento é o estabelecimento das leis necessárias do movimento e do repouso que conservam ou modificam a grandeza e a figura das coisas por nós percebidas porque conservam ou alteram a grandeza e a figura das partículas. E a idéia de que estas leis são mecânicas, isto é, leis de causa e efeito cujo modelo é o movimento local (o contato direto entre partículas) e o movimento à distância (isto é, a ação e a reação dos corpos pela mediação de outros ou, questão controversa que dividirá os sábios, pela ação do vácuo). Fisiologia, anatomia, medicina, óptica, paixões, idéias, astronomia, física, tudo será tratado segundo esse novo modelo mecânico. E é a perfeita possibilidade de tudo conhecer por essa via que permite a intervenção técnica sobre a natureza física e humana e a construção dos instrumentos, cujo ideal é autônomo e cujo modelo é o relógio.
3.2. As idéias de substância e de causalidade
Enquanto o pensamento greco-romano e o cristão admitiam a existência de uma pluralidade infinita (ou indefinida) de substâncias, os modernos irão simplificar enormemente tal conceito.
Substância é toda realidade capaz de existir (ou de subsistir) em si e por si mesma. Tudo que precisar de outro ser para existir será um modo ou um acidente da substância. Na versão tradicional, mineral era uma substância, vegetal era substância, animal, outra substância, espiritual, uma outra. Mas não só isto, dependendo das filosofias, cada mineral, cada vegetal, cada animal, cada espírito, era substância, de tal maneira que haveria tantas substâncias quantos indivíduos. Simplificadamente: a substância podia ser pensada como um gênero, ou como uma espécie ou até como um indivíduo. E cada qual teria seus modos ou acidentes e suas próprias causalidades.
Os modernos, especialmente após Descartes, admitem que há apenas três substâncias: a extensão (que é a matéria dos corpos, regida pelo movimento e pelo repouso), o pensamento (que é a essência das idéias e constitui as almas) e o infinito (isto é, a substância divina). Essa alteração significa apenas o seguinte: uma substância se define pelo seu atributo principal que constitui sua essência (a extensão, isto é, a matéria como figura, grandeza, movimento e repouso; o pensamento, isto é, a idéia como inteligência e vontade; o infinito, isto é, Deus como causa infinita e incriada).
Na verdade, os modernos não concordarão com a tripartição de Descartes. Os materialistas, por exemplo, dirão que há apenas extensão e infinito; os espiritualistas, que há apenas pensamento e infinito. E, nos dois extremos dessa discussão, estarão Espinosa, de um lado, e Leibniz, de outro. Para Espinosa existe uma e apenas uma substância — a infinitamente infinita, isto é, Deus, com infinitos atributos infinitos dos quais conhecemos dois, o pensamento e a extensão (suprema heresia: Espinosa afirma que Deus é extenso), todo o restante do universo são os modos singulares da única substância. Para Leibniz, existem infinitas substâncias, cada uma delas contendo em si mesma um dos dois grandes atributos — pensamento (inteligência, vontade, desejo) ou extensão (figura, grandeza, movimento e repouso). Essas substâncias se chamam mônadas (unidade última e indivisível) e há apenas uma diferença entre as mônadas — isto é, há a Mônada Infinita, que é Deus, e há as mônadas criadas e finitas, isto é, os seres existentes no universo, e que podem ser extensas ou pensantes.
De qualquer maneira, o essencial na questão da Substância definida pelo seu atributo principal é que, de agora em diante, conhecer é conhecer apenas três tipos de essências e suas operações fundamentais: a matéria (geometrizada), a alma (intelecto, vontade e apetites) e o infinito.
Esse conhecimento se fará pelo conceito de causalidade. Conhecer é conhecer a causa da essência, da existência e das ações e reações de um ser. Um conhecimento será verdadeiro apenas e somente quando oferecer essas causas. Evidentemente, os filósofos discordarão quanto ao que entendem por causa e causalidade, discordarão quanto à determinação de uma realidade como sendo causa ou como sendo efeito, discordarão quanto ao número de causas, discordarão quanto aos procedimentos intelectuais que permitem conhecer as causas e, portanto, discordarão quanto à definição da própria noção de verdade, uma vez que esta depende do que se entende por causa e por operação causal. Mas todos, sem exceção, consideram que um conhecimento só pode aspirar à verdade se for conhecimento das causas, sejam elas quais forem e seja como for a maneira como operem. O importante é notar que fizeram a verdade, a inteligibilidade e o pensamento dependerem da explicação causal e afastaram a explicação meramente descritiva ou interpretativa. A síntese desse ideal encontra-se em Espinosa e em Leibniz. Afirma Espinosa que o conhecimento verdadeiro é aquele que nos diz como uma realidade foi produzida, isto é, o conhecimento verdadeiro é o que alcança a gênese necessária de uma realidade. Leibniz estabelece o chamado principio da Razão Suficiente, segundo o qual nada existe que não tenha uma causa e que não possa ser conhecida, ou, como ficou conhecido: "Nihil sine ratione", nada é sem causa.
Com relação ao conceito de causalidade, é necessário fazermos três observações: 1) diferentemente dos gregos, romanos e medievais (que admitiam quatro causas — material, formal, eficiente ou motriz e final), os modernos admitem apenas duas: a eficiente (a causalidade propriamente dita como relação entre uma causa e seu efeito direto) e a final, para os seres dotados de vontade livre, pois esta sempre age tendo em vista fins (Deus e homens). Apenas Espinosa recusa a finalidade, considerando a causa final um produto da imaginação e uma ilusão; 2) a causa eficiente exige que causa e efeito sejam de mesma natureza (de mesma substância; ou de mesmo modo, no caso de Espinosa), de sorte que causas corporais não podem produzir efeitos anímicos e vice-versa. Ora, os humanos são criaturas mistas (possuem corpo e alma) e é preciso explicar causalmente as relações entre ambos se se quiser conhecer o homem e sobretudo o que os modernos chamam de ação e paixão. As soluções do problema serão variadas. Assim, por exemplo, Descartes imagina uma glândula — a glândula pineal, na base do pescoço — que faria a comunicação entre as duas substâncias do composto humano; Espinosa e Leibniz consideram a posição cartesiana absurda, e para ambos a relação entre alma e corpo não é "causal" no sentido de ação do corpo sobre a alma ou vice-versa, mas uma relação de expressão, isto é, o que se passa num deles se exprime de maneira diferente no outro e vice-versa; os materialistas resolvem o problema considerando que os efeitos anímicos são uma modalidade dos comportamentos corporais, pois não haveria uma substância espiritual, a não ser Deus; os espiritualistas vão na direção contrária (como Malebranche), considerando os corpos e os acontecimentos corporais como aparência sensível de realidades puramente espirituais; 3) o conceito de causa possui três sentidos simultâneos e inseparáveis e não apenas um; esses três sentidos simultâneos constituem a causalidade como princípio de plena inteligibilidade do real: a) a causa é algo real que produz um efeito real (causa e efeito são entes, seres, coisas); b) a causa é a razão que explica a essência e a existência de alguma coisa, é sua explicação verdadeira e sua inteligibilidade; c) a causa é o nexo lógico que articula e vincula necessariamente uma realidade a uma outra, tornando possível não só sua existência, mas também seu conhecimento. Conhecer pela causa é, pois, conhecer entes, razões e vínculos necessários.
3.3. A idéia de método ou de mathesis universalis
Os filósofos modernos enfrentam três grandes problemas no tocante ao conhecimento verdadeiro:
1) tendo o Cosmos, sua ordem, sua hierarquia e seu centro desaparecido, o homem, como ser pensante, não encontra imediatamente nas coisas percebidas a verdade, a origem e o sentido do real, pois as coisas são percebidas em suas qualidades sensoriais e o mundo parece ser finito e ordenado por valores e perfeições que a nova ciência da Natureza revelou serem ilusórios;
2) o conceito de causalidade faz uma exigência teórica que, se não for respeitada, impede que a verdade seja conhecida. Essa exigência é de que as relações causais só se estabelecem entre coisas de mesma substância (a extensão, ou a matéria, ou os corpos, dependendo da terminologia de cada sábio, só produz efeitos extensos, materiais, corporais; o pensamento, a alma, as idéias, também dependendo da terminologia de cada filósofo, só produzem efeitos pensantes, anímicos, ideativos; o finito só produz efeitos finitos; o infinito, única exceção, produz efeitos finitos e infinitos, mas não pode ser produzido por uma causa finita). Ora, como já o dissemos, os humanos são compostos de duas substâncias (ou de modos diferentes da mesma substância, no caso de Espinosa) que, no plano causal, não podem causar-se um ao outro. Ora, conhecer é uma atividade da substância pensante ou do modo pensante, mas o conhecido pode tanto ser um aspecto do pensante quanto os corpos, as coisas ou os modos extensos. E, neste caso, a causalidade não pode operar, pois o que se passa na extensão não pode causar efeitos no pensamento e vice-versa. A solução encontrada por todos os filósofos (com variantes, novamente, e com exceção de Espinosa) consiste em considerar o conhecimento uma Representação, isto é, que a inteligência não afeta nem é afetada pelos corpos, mas pelas idéias deles, havendo assim a homogeneidade exigida pela causalidade;
3) mas a representação cria um novo problema: como saber se as idéias representadas correspondem verdadeiramente às coisas representadas? Como saber se a idéia é adequada ao seu ideado? Para solucionar esta dificuldade nasce o método.
A noção de representação significa que aquele que conhece — o Sujeito do Conhecimento — está sozinho, rodeado por coisas cuja verdade ele não pode encontrar imediatamente, pois percebe coisas, mas deve conhecer Objetos do Conhecimento, isto é, as idéias verdadeiras ou os conceitos dessas coisas percebidas. Precisa de um instrumento que lhe permita três atividades: 1) representar corretamente as coisas, isto é, alcançar suas causas sem risco de erro (para os espiritualistas, os erros virão dos sentidos ou do corpo; para os materialistas, os erros virão das abstrações indevidas feitas pela inteligência); 2) controlar cada um dos passos efetuados, pois a perda de controle de uma das operações intelectuais pode provocar o erro no final do percurso, que, por isso, deve ser controlado passo por passo; 3) permitir que se possa deduzir ou inferir de algo já conhecido com certeza o conhecimento de algo ainda desconhecido, isto é, o instrumento deve permitir o progresso dos conhecimentos verdadeiros oferecendo recursos seguros para que se possa passar do conhecido ao desconhecido. A função do método é de preencher esses três requisitos. Por essa razão, nenhum dos filósofos modernos deixa de escrever um tratado sobre o método.
No século XVII, a palavra método (do grego: caminho certo, correto, seguro) tem um sentido vago e um sentido preciso. Sentido vago, porque todos os filósofos possuem um método ou o seu método, havendo tantos métodos quantos filósofos. Sentido preciso, porque o bom método é aquele que permite conhecer verdadeiramente o maior número de coisas com o menor número e regras. Quanto maiores a generalidades e a simplicidade do método, quanto mais puder ser aplicado aos mais diferentes setores do conhecimento, melhor será ele.
O método é sempre considerado matemático. Isto não quer dizer que se usa a aritmética, a álgebra, a geometria para o conhecimento de todas as realidades, e sim que o método procura o ideal matemático, isto é, ser uma mathesis universalis.
Isto significa duas coisas: 1) que a matemática é tomada no sentido grego da expressão ta mathema, isto é, conhecimento completo, perfeito e inteiramente dominado pela inteligência (aritmética, geometria, álgebra são matemáticas, por isso, isto é, porque dominam completa e intelectualmente seus objetos); 2) que o método possui dois elementos fundamentais de todo conhecimento matemático: a ordem e a medida.
Vimos que, no Renascimento, o conhecimento operava com a noção de Semelhança, era descritivo e interpretativo. A diferença entre os renascentistas e os modernos consiste no fato de que estes últimos criticam a Semelhança, considerando-a causa dos erros e incapaz de alcançar a essência das coisas. Conhecer pela causa significa que a inteligência é capaz de discernir a identidade e a diferença no nível da essência invisível das coisas. A ordem e a medida têm a função de produzir esse discernimento e por isso são o núcleo do método e da mathesis.
Conhecer é relacionar. Relacionar é estabelecer um nexo causal. Estabelecer um nexo causal é determinar quais as identidades e quais as diferenças entre os seres (coisas, idéias, corpos, afetos, etc.). A medida oferece o critério para essa identidade e essa diferença. Assim, por exemplo, a medida permitirá que não se estabeleça uma relação causal entre realidades heterogêneas quanto à substância. Ela analisa, isto é, decompõe um todo em partes e estabelece qual o elemento que serve de unificador para essas partes (a "grandeza" comum a todas elas). A ordem é o conhecimento do encadeamento interno e necessário entre os termos que foram medidos, isto é, estabelece qual o termo que se relaciona com outro e em qual seqüência necessária, de sorte que ela estabelece uma série ordenada, sintetiza o que foi analisado pela medida e permite passar do conhecido ao desconhecido.
A ordem é essencial ao método por três motivos: 1) porque os modernos consideram que a primeira verdade de uma série é conhecida por uma intuição evidente, a partir da qual será colocada a medida e esta depende da seriação dos termos feita pela ordem; 2) porque os conhecimentos de totalidades complexas são conhecimentos de séries diferentes, cujas relações só podem ser estabelecidas se cada série estiver corretamente ordenada; 3) porque a ordem permite a relação entre um primeiro termo e um último cuja medida pode não ser a mesma (são heterogêneos ou incomensuráveis), mas a relação pode ser feita porque a ordenação foi fazendo aparecer entre um termo e outro uma medida nova que encadeia o segundo ao terceiro, este ao quarto e assim por diante.
Um exemplo deste último e mais importante procedimento. Na filosofia de Descartes, não haveria como estabelecer relação causal entre a alma finita humana, Deus infinito e o mundo extenso, já que são três substâncias diferentes. Aplicando a medida e a ordem, Descartes estabelece o que chama de cadeia de razões (nexos causais e lógicos) do seguinte tipo: a alma pensa e ao pensar tem uma idéia de que ela própria não pode ser a causa, a idéia de Deus; isto é, a alma finita não pode ser causa de uma idéia infinita. Sendo, porém, Deus uma idéia, pode perfeitamente estar em nossa alma e pode causá-la em nós, porque o intelecto divino age sobre o nosso por meio das idéias verdadeiras. Ora, a idéia de Deus é a idéia de um Ser Perfeito, que seria imperfeito se não existisse, portanto, a idéia presente em nossa inteligência, causada pela inteligência de Deus, é a idéia de um ser que só será Deus se existir. Nós não podemos fazer Deus existir, mas a idéia de Deus nos revela que ele existe. Passamos, assim, da idéia ao ser. Ora, esse ser é perfeito, e se nos faz ter idéias das coisas exteriores através de nossos sentidos, é porque nos deu um corpo e criou outros corpos que constituem o mundo extenso. Passamos, assim, do ser de Deus à idéia de nosso corpo e às idéias dos corpos exteriores, o que não poderia ser feito sem a ordem, pois sem ela não poderíamos passar de nossa alma a Deus e dele ao nosso corpo nem aos corpos exteriores. A medida é a idéia e a ordem da seqüência causal dessas idéias até chegar a corpos.
O método, ciência universal da ordem e da medida, pode ser analítico ou sintético. Na análise, vai-se das partes ao todo ou do particular ao universal (é o método preferido por Descartes e Locke); na síntese, vai-se do todo às partes ou do universal ao particular (é o método preferido por Espinosa); ou uma combinação de ambos, conforme as necessidades próprias do objeto de estudo (como faz Leibniz). Em qualquer dos casos, realiza-se pela ordem e pela medida, mas é considerado dedutivo pelos racionalistas intelectualistas (que partem das idéias para as sensações) e indutivo pelos racionalistas empiristas (que partem das sensações para as idéias). Essa diferença repercute no conceito de intuição, que é considerado por todos como o ponto de partida da cadeia dedutiva ou da cadeia indutiva: no primeiro caso, a intuição é uma visão puramente intelectual de uma idéia verdadeira; no segundo caso, a intuição é sensível, isto é, visão ou sensação evidente de alguma coisa que levará à sua idéia.
4. A idéia moderna da Razão
Em seu livro História da Filosofia, Hegel declara que a filosofia moderna é o nascimento da Filosofia propriamente dita porque nela, pela primeira vez, os filósofos afirmam:
1) que a filosofia é independente e não se submete a nenhuma autoridade que não seja a própria razão como faculdade plena de conhecimento. Isto é, os modernos são os primeiros a demonstrar que o conhecimento verdadeiro só pode nascer do trabalho interior realizado pela razão, graças a seu próprio esforço, sem aceitar dogmas religiosos, preconceitos sociais, censuras políticas e os dados imediatos fornecidos pelos sentidos. Só a razão conhece e somente ela pode julgar-se a si mesma;
2) que a filosofia moderna realiza a primeira descoberta da Subjetividade propriamente dita porque nela o primeiro ato de conhecimento, do qual dependerão todos os outros, é a Reflexão ou a Consciência de Si Reflexiva. Isto é, os modernos partem da consciência da consciência, da consciência do ato de ser consciente, da volta da consciência sobre si mesma para reconhecer-se como sujeito e objeto do conhecimento e como condição da verdade. A consciência é para si mesma o primeiro objeto do conhecimento, ou o conhecimento de que é capacidade de e para conhecer;
3) que a filosofia moderna é a primeira a reconhecer que, sendo todos os seres humanos seres conscientes e racionais, todos têm igualmente o direito ao pensamento e à verdade. Segundo Hegel, essa afirmação do direito ao pensamento, unida à idéia de liberdade da razão para julgar-se a si mesma, portanto, o igualitarismo intelectual e a recusa de toda censura sobre o pensamento e a palavra, seria a realização filosófica de um principio nascido com o protestantismo e que este, enquanto mera religião, não poderia cumprir precisando da filosofia para realizar-se: o princípio da individualidade como subjetividade livre que se relaciona livremente com o infinito e com a verdade.
A razão, o pensamento, a capacidade da consciência para conhecer por si mesma a realidade natural e espiritual, o visível e o invisível, os seres humanos, a ação moral e política, chama-se Luz Natural. Embora os modernos se diferenciem quanto à Luz Natural (para alguns, por exemplo, a razão traz inatamente não só a possibilidade para o conhecimento verdadeiro, mas até mesmo as idéias, que seriam inatas; para outros, nossa consciência é como uma folha em branco na qual tudo será impresso pelas sensações e pela experiência, nada possuindo de inato), o essencial é que a Luz Natural significa a capacidade de autoiluminação do pensamento, uma faculdade inteiramente natural de conhecimento que alcança a verdade sem necessidade da Revelação ou da Luz Sobrenatural (ainda que alguns filósofos, como Pascal, Leibniz ou Malebranche, considerem que certas verdades só podem ser alcançadas pela Luz Natural se esta for auxiliada pela luz da Graça Divina).
A primeira intuição evidente, verdade indubitável de onde partirá toda a filosofia moderna, concentra-se na célebre formulação de Descartes: "Penso, logo existo" (Cogito, ergo sum). O pensamento consciente de si como "Força Nativa" (a expressão é de Espinosa), capaz de oferecer a si mesmo um método e de intervir na realidade natural e política para modificá-la, eis o ponto fixo encontrado pelos modernos.








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